Friday, March 16, 2007

Como uma Canção

Era uma vez o fim do mundo.
O final mesmo, estava tudo acabando sem mais nem menos. Nem adianta imaginar corpos despencando do céu, fendas do tamanho da Islândia no solo, fogueiras de oitocentos metros, enchentes colossais ou lasers. O que houve foi que o céu começou a mudar, e lá pelas 09h32min (que é um horário bem xarope, todos sabem) as pessoas sentiram uma dor no lado direito do corpo. E depois disso, era óbvio que o mundo ia acabar.
A maioria das pessoas se prostrava nas ruas, avenidas, locais públicos e nos bairros, na frente de suas casas, nas penitenciárias, no meio das florestas e em todos os lugares possíveis e simplesmente ficavam ali, como se fosse o “dia interplanetário de fazer porra nenhuma e esperar o universo finalmente entrar em colapso”.
Ninguém pensava em religiões nesse momento (curiosamente, pensariam alguns se ainda estivessem controlando seus cérebros da maneira precária que fazíamos até minutos atrás), pois todos notaram automaticamente, após o céu mudar, que o nosso medo de estarmos sozinhos nessa vida e de criarmos coisas “maiores que nós” sempre foi um engodo que nos encobriu a verdade mais singela possível: a unidade que teoricamente a humanidade deveria ter era a real “força maior que nós”. Nossa existência, por ser algo tão casual e sem explicação (e agora todos sabiam que não há explicação ou motivo) é que era “sagrada”.
Além dessa e de outras revelações que já sabíamos, mas não deixávamos nossa mente acreditar, outros três sentimentos tomavam as pessoas de assalto. Uma melancolia profunda, descrita por um vizinho meu como “sentir a memória da Terra, desde os primórdios de suas batalhas e desentendimentos”. Ele dizia isso olhando para sua família com uma cara de espanto, como se aquelas palavras não fossem dele realmente, mas que apenas estavam usando seu sistema comunicativo para expressar uma opinião massiva.
O outro sentimento era resignação. Não havia um corajoso, ou metido a herói que tentava articular alguma idéia pró “Salvamento da Humanidade”. Uma voz inaudível repetia incessantemente que nada seria útil agora, e que deveríamos reclinar as nossas poltronas confortáveis e curtir o passeio.
E após sentir isso, a única palavra que pode definir a sensação seguinte é LIVRE. Não havia mais nada para pensar, planejar, falar, comprar, gastar, arrumar, consertar ou guardar. Os verbos estavam desempregados, todos juntos naquele instante. Foi como ouvir a Kate Winslet sussurrando “agora acabou, relaxe de uma vez por todas e nunca mais se preocupe com bobagens” num domingo de outono, às 10h30min da manhã logo após acordar e perceber que o dia está meio nublado e quase frio, e subitamente pensar que deveria estar no trabalho, mas aí ouve a o sotaque desconcertante da Kate e entende que é domingo e não há nada para fazer.
Pessoas sorriam com lágrimas nos olhos, outros apenas contemplavam aquele céu laranja-esverdeado (não tem como descrever, mas eu tentei) que de tão lindo provocava certa culpa em nossos olhos.
E meu último pensamento foi para ela, que como sempre estava muito longe de onde eu estava para saber disso. Mas a distância agora não existe mais, para ninguém, em lugar algum do espaço.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Pá, que troço bonito chê! de verdade! que fim mais.... laranja-esverdeado (tbm tentei, mas não tem como, ou tem, já que tu fez)... massa, muito massa!

11:46 AM  
Anonymous Anonymous said...

nao vai atualiza che!

5:26 AM  
Anonymous Anonymous said...

Keep up the good work.

1:13 AM  

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