Tuesday, June 26, 2007

A Casa ao Lado

Uma cidade não precisa ser muito grande para esconder segredos inimagináveis. Não precisa sequer ser calma. Pode ser uma vila montanhosa na serra, uma cidade agrícola e interiorana ou uma praia bem movimentada. Segredos há em toda parte.
Pois bem, a cidade em questão é uma praia. Movimentada em qualquer época do ano, e não apenas no verão como muitos podem pensar. E todo esse movimento é o comportamento ideal para acobertar um belo mistério. Algo que poucos habitantes ou turistas notaram, e os que notaram nunca falaram, pelo menos não se tem notícias.
Numa região pouco explorada, longe de bares, restaurantes e points, onde até então se encontrava uma praia inacessível – conhecida como Praia do Buraco – e uma porção do quinhão restante de Mata Atlântica, havia também uma pequena casa. Não tão pequena na verdade. Parecia até razoavelmente confortável, e quem morasse ali decerto que não tinha muito que reclamar da vida. Mas havia uma questão: quem morava ali? Ou melhor: alguém realmente morava ali?
Enquanto a região era apenas um canto da praia, pouco procurado por causa das pedras, e de onde não surgiram mais do que algumas histórias de desaparecimentos e corpos que boiavam (embora eu nunca tenha sabido se isso era real ou não), ninguém se preocupara com a tal casa. Mas, depois que a área foi revitalizada – ficou tudo bonitinho: a mata deixava uma sombra gostosa que refrescava muito bem um dia de calor e foi feita uma passarela com vários bancos bem próximos ás árvores, onde namorados se refugiavam em noites de lua – a casa apareceu. Sempre esteve ali, mas apareceu em meio à vegetação como se ganhasse um certo destaque, e mantivesse algum tipo de imponência, ou repulsa.
O fato é que poucos se aproximavam, e quando o faziam era a luz do dia. Nunca, jamais à noite. Sob o sol, a casa pouco revelava. As janelas altas e gradeadas dificultavam a ação dos curiosos mais destemidos. Só havia uma coisa que mudava constantemente: o varal. Todos os dias havia muitas roupas no varal, o que poderia denunciar algum movimento, por menor que fosse. Mas não, nada além das roupas no varal, diferentes a cada dia.
Numa noite movimentada, o canto novo da praia, agora todo iluminado e convidativo a um passeio abrigava casais que fugiam da agitação dos bares para namorar mais reservadamente. Em cada banco da passarela uma dupla apaixonada estava desligada do mundo e ligada no ser a sua frente. Uma turma de adolescentes – desses que não tem idade para bares, mas acham que já são grandinhos o suficiente pra voltar pra casa de madrugada – resolveu passear por lá. Não contentes com a desordem que causam por sua simples presença, notada por todos, decidiram inspecionar a casa, que estava completamente ás escuras. Forçaram a porta, as janelas, procuravam entradas secretas e fendas nas paredes de madeira, sem sucesso. Como não desistiram, quem desistia eram os casais. Aos poucos, um a um foi embora, até que restaram apenas os oito adolescentes: cinco garotos, três garotas, uma garrafa com alguma bebida que levava álcool e nenhuma noção do que faziam.
Um dos garotos, decidido a entrar na casa, lançou-se contra a porta e conseguiu abri-la. Neste exato momento houve um clarão que pode ser visto da outra ponta da orla – algo em torno de 7 km – e um silêncio tamanho que era possível ouvir o vento remexer a areia. Não se viu mais o garoto. Os outros sete jovens não sabiam o que fazer, estavam em choque, atônitos, e não mencionaram uma palavra sequer por vários dias.
Na casa, um tanque cheio de roupas, como se alguém fosse lavá-las no dia seguinte, uma chaleira em cima do fogão que parecia recém usada, e no quarto um vestido preto sobre a cama, com algumas flores e um aroma forte e quase enjoativo de jasmin. Ao lado da cama um berço novo, como se esperasse a chegada do recém-nascido. O pequeno não veio. A mãe, humilde e lavadeira que amou tanto a criança que não pode criar definhara na casa depois da gravidez mal sucedida, e sem se conformar morrera de tristeza, fazendo numa atividade quase mecânica o que fizera a vida toda. Lavava, lavava, lavava, e secava as roupas no varal. Até que o menino voltou, entrou em casa e ela o levou para amá-lo e criá-lo pelo resto da eternidade.
História narrada e gentilmente cedida por Aline Camargo.
Ps.: Valeu Pequena!

2 Comments:

Blogger Felipe Conti said...

O talento só precisa ser instigado a tentar!
"Two can be complete without the rest of the world" - Julian Casablancas

4:43 AM  
Blogger Mau Haas said...

bah, que bonito!!! queria saber fazer isso, pegar um fato aparentemente simples, que ninguém da nada, e transformar numa história massa... ficou ducacildis!!!

1:33 PM  

Post a Comment

<< Home