Monday, May 14, 2007

Eterna Mudança


Algumas músicas mudam o jeito de uma pessoa pensar. Alguns discos mudam o mundo, ou abrem milhões de mentes ao mesmo tempo, ou levam muito tempo para serem compreendidos. Outros nunca são.
Quando eu passei dos dez anos de idade um enigma caiu em minhas mãos, e à medida que ele adentrava meus ouvidos, a curiosidade aumentava gradativamente. O quebra-cabeça auditivo era a trilha sonora do documentário IMAGINE, que em 21 faixas tenta traçar a trajetória de John Winston Lennon pela música, pela Terra, pela vida. Lógico que não consegue, pois condensar quem foi esse cara (que foi tudo até chegar ao ponto de ser ele mesmo) em 21 músicas ou em duas horas de projeção é como tentar explicar em 3 minutos o que as pessoas realmente querem. Coisa que ele conseguiu fazer diversas vezes!
Após o interesse inicial (e de tornar-me fã dos Beatles algum tempo depois de ouvir o álbum), não ouvia com tanta freqüência aquela trilha sonora especificamente, assim como tantos discos que entraram e saíram da minha audição mais assídua. Porém sempre que eu retornava ao disco, descobria algo novo. Um significado, uma letra que representava algo antes incompreensível, uma ironia, enfim, era como se ao descobrir um pouco mais sobre a obra daquele homem que nas fotos do encarte aparece em diversos momentos da sua vida, porém sempre com o mesmo olhar, eu começava a entender coisas das quais não me dava conta vivendo sozinho em meus pensamentos. Ali encontrava eco para muitas idéias, ali havia alguém dizendo coisas relevantes, mesmo que tão distante no tempo e no espaço. Naquele CD de capa branca a vida pulsa, para quem ainda quer entendê-la um pouco mais, ou perder-se de vez.
Real Love abre o disco numa versão acústica e praticamente caseira de Lennon (diferente daquela produzida pelos outros três besouros restantes no Anthology). Uma música singela, com direito a um dos artifícios mais prosaicos da música pop (refrão assoviado), a princípio não chama a atenção de ninguém. O problema é que John te deixa desprevenido conscientemente. Só depois de conhecer muito bem o trabalho e o pensamento do cara é que uma obra de arte como essa faz todo o sentido.

Do começo melancólico e esperançoso que remete aos Beatles, (All the little girls and boys/ Playing with their little toys/ All they really needed from you/ Is maybe some Love), Passando pela constatação de que o mundo realmente não é como a gente gostaria que ele fosse, (All the little boys and girls/ Living in this crazy world/ All they really needed from you/ Is maybe some Love/ Why must we be alone?/ Why must we be alone?/ Well it's real life/ Yes it's real) E finalmente chegando ao fim sabendo que mesmo que as coisas não mudem por completo, se isso é a minha verdade, então a vida pode fazer um pouco de sentido.
(I don't expect you to understand/ The Kingdom of Heaven is in your hands/ I don't expect you to wake from your dream/ too late for crying now, it seems/ All your little plans and schemes/ Nothing but a bunch of dreams/ All you really needed to do/ Is maybe some love).

Ali, logo de cara, está uma síntese do pensamento de John. Mas não é só isso, obviamente. O Track List passeia por praticamente todas as fases do músico, começando com Twist and Shout, Help! e In My Life da fase “inocente” dos Beatles, Strawberry Fields Forever, A Day in the Life e Revolution da fase “psicodélica” e Ballad of John and Yoko, Julia e Don’t Let me Down do crepúsculo “amadurecido” da maior banda de todos os tempos. Esta primeira metade do álbum também poderia chamar-se Aula de Música que ninguém ousaria discordar.
A partir daí o disco cobre a fase solo de Lennon (com ou sem a Plastic Ono Band). Mother e How?, Jealous Guy e Beautiful Boy, Woman e (Just Like) Starting Over... São tantas coisas a dizer de cada uma delas, tantos significados... Mas a que mais impressiona é God. O cara simplesmente anteviu o espírito das décadas seguintes: descrença (no futuro, na humanidade, enfim...), individualismo beirando a loucura, cinismo, inteligência irônica, não levar-se a sério... Geração X, vocês foram detectados 20 anos antes de existirem! Mas pelo menos o Kurt sabia.


God – John Lennon

God is a concept
By which we measure
Our pain
I'll say it again
God is a concept
By which we measure
Our pain

I don't believe in magic
I don't believe in I-ching
I don't believe in Bible
I don't believe in tarot
I don't believe in Hitler
I don't believe in Jesus
I don't believe in Kennedy
I don't believe in Buddha
I don't believe in Mantra
I don't believe in Gita
I don't believe in Yoga
I don't believe in kings
I don't believe in Elvis
I don't believe in Zimmerman
I don't believe in Beatles

I just believe in me
Yoko and me
And that's reality
The dream is over
What can I say?
The dream is over
Yesterday

I was the Dreamweaver
But now I'm reborn
I was the Walrus
But now I'm John
And so dear friends
You'll just have to carry on
The dream is over

Genial. E cada vez que o CD de capa branca sai da minha coleção para ser lido pelo aparelho de som, algo acontece. Isso é música.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Bah, que coisa.

12:56 PM  

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