Friday, May 26, 2006

Sono Induzido

- Amor, tenho que te dizer um negócio.
- AMOR?
- Tu também quer dizer alguma coisa amor?
- Quando tu vai parar de me chamar assim? Tá, a gente é amigo há um tempão, eu gosto de ti e teve aquela vez e tal (Denise se odiava por isso), mas essa tua fantasia tá indo longe demais Ricardo!
- Não quero discutir isso mais uma vez Dê. (Ele sabia que Denise odiava quando a chamavam daquele jeito. Estava querendo irritar sua “namorada”). Eu tenho que te contar um negócio!Pelo tom empregado por Ricardo, Denise já sabe que nada no mundo o fará ficar quieto ou mudar de assunto, então apanha uma revista da semana e começa ler pela parte traseira da mesma.
- É o seguinte: não consigo mais acordar! Toda manhã é a mesma coisa, eu me esforço pra sair do estado letárgico, mas minha mente e meu corpo, ao que tudo indica, fizeram um pacto para me manter enfiado na cama por horas intermináveis!
Ricardo balança as mãos, escora a cabeça nelas, levanta e senta várias vezes, com o ar de quem revelou o maior escândalo da humanidade até aquela tarde de quinta-feira. E Denise segue impassível lendo a mais nova picuinha arranjada por um “jornalista-articulista”, como ela gostava de dizer em voz alta para os amigos da faculdade.
- Tu ta dizendo que tem insônia ao contrário?
- Exatamente isso que eu pensei! – exulta Ricardo. O brilho nos olhos dele ao ver que ela sabia do que ele estava falando passavam uma carga de loucura que ninguém notava. E Denise ignorava solenemente.
- Mas aí eu formulei outra teoria para a causa do meu “não-acordar”: eu não quero mais viver! É tão simples e há tantos anos que eu sinto isso sem sentir que chega a ser engraçado.
Aquele sorriso, seguido de um som tão auto-complacente como aquele, denotava o que ela já desconfiava. Ele não havia enlouquecido, mas depois de todas as coisas que teve de enfrentar nos últimos três anos e meio, estava tentando se convencer de que teria que se matar. Aquela história de não acordar era só uma maneira de criar coragem. Sua mente e ele não se entendiam mais, e esse era o último lugar que fazia sentido para “o velho Ricka”. Denise não sabia que palavras usar. E foi o que fez, não usou nenhuma.
- Então tá Dê, só passei pra te dizer isso. Sinto tanta dificuldade em acordar e de me manter desaperto durante as horas... Como eu nunca percebi que esse era o sinal que eu estava mandando pra eu mesmo sobre continuar tentando fazer aquilo que não sou capaz de fazer a tanto tempo (“quantos dias cabem em três anos e meio”, pensou ele), ou seja, continuar vivendo!
Mais uma vez as mãos desabam pelo ar e pela cabeça dele. E então com uma serenidade que surge de algum lugar da Ásia, Ricardo beija a testa de Denise e deixa a casa. E ela vai levar 17 minutos para esquecer a conversa daquela tarde.

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