Monday, July 31, 2006

Queda e Delírio - ou "Escrevam na minha lápide:"

“E o prêmio de melhor filme vai para:”. A mandíbula tem agora a mesma potência da de um tubarão. A gengiva e os dentes travam uma batalha para não se destruírem, enquanto a saliva acalma os ânimos. Havia sido treinado pelos Mestres Indies para sempre menosprezar prêmios da indústria mainstream do entretenimento. Mas estava mandando às favas qualquer conceito que poderia ter na vida, menos um. Desejava aquilo para fazer o que já estava arquitetado desde a adolescência, mas que só agora teria a coragem (e o desapego) para fazer. Sabia que não havia concorrente a altura para seu filme. Era a comédia suprema, não podiam desconsiderar o fato de o filme fazer rir qualquer pessoa do planeta. “Não podiam!”, pensava ele.
“E o prêmio de melhor filme vai para: Tudo Invertido, de Alfonso Brown!”. Sim. Havia conseguido. Ninguém para abraçar, nem para apertar sua mão e lhe dar um tapinha nas costas. Ninguém para agradecer. Ninguém. Em 6 passos, que mais pareciam os de um ganso atrapalhado, estava no palco. Era o melhor fazendo aquilo que achava que nunca aprendeu a fazer bem. Chegou onde nunca havia imaginado, mas que aquela voz insistia em dizer que conseguiria. Finalmente o momento do abandono, e era uma sensação extraordinária.
“Parabéns”, diz a linda loira/castanho-claro/cor indefinida, baixinha e de olhos cinza chumbo que entrega o prêmio em suas mãos estranhas. Um sorriso de criança pronta para por fogo em um brinquedo caro e novo surge em sua face. Começa o discurso.
“Boa noite. Noite agradável não? Bem, pra quem ganhou está particularmente agradável”, e sabe instintivamente que precisa permitir dois segundos para a platéia rir de seu gracejo. Pronto. Toma fôlego, parecendo começar um texto que vem burilando desde muitos dias atrás. “Do humor vim, com o humor me mantive, sem o humor teria desaparecido. Fiz da comédia o sentido da minha vida, e dela tive o mesmo carinho em troca”. A platéia em silêncio, esperando a deixa para explodir em gargalhadas. Afinal, nem o mais sério dos textos resiste a uma leitura feita por Alfonso. Sua cara de idiota e suas mãos sempre em movimento já denunciavam que uma piada surgiria a qualquer momento. “Fazer rir não é uma arte, ou uma profissão, muito menos dom ou talento. Fazer rir, os outros e a si mesmo, nada mais é do que um elemento primordial para a sobrevivência”. A gravidade com que as palavras são declinadas forma uma aura de expectativa e quase deboche no teatro lotado.
“E pelo fato de não conseguir mais ver humor nas coisas, estou oficialmente desaparecendo. Não farei mais filmes, peças, livros, músicas ou qualquer outra atividade que qualquer pessoa tenha conhecimento. Nada. A partir de agora Alfonso Brown não existe mais! Adeus a todos, e sorriam enquanto podem!”. Alfonso pega o prêmio, finge que o mesmo é uma garrafa de alguma bebida qualquer, entorna o líquido fictício e sai cambaleando pelo palco. Olha pela última vez para uma platéia repleta, faz uma careta absurdamente engraçada e pula de maneira estúpida, de lado no ar, para fora da cortina lateral. O que se escuta é um estrondo, como se um piano de cauda houvesse se chocado contra o assoalho de madeira. Talvez tenha sido. Todos começam a rir ruidosamente daquela cena bizarra e aplaudem de pé o tresloucado diretor, que provavelmente estava sob efeito de drogas, como muitos comentavam em meio a sorrisos escancarados. Alfonso entregou o prêmio para uma senhora que trabalhava na portaria do luxuoso teatro e se foi.

1 Comments:

Blogger Greyce Vargas said...

Poxa, mas isso aqui tá bem parado!
Não vai falar nem da emoção que sentiu quarta passada?

1:47 PM  

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