Tuesday, July 25, 2006

Um Grande Garoto



Além de todas as sensações, questionamentos e referências que o cinema pode nos proporcionar, às vezes ainda podemos encontrar músicas que servirão de moldura para o resto de nossas vidas. Quantos não gostam (secretamente) daquela música da Cindy Lauper nos créditos iniciais de Os Goonies, ou a música do Bon Jovi em Jovem Demais para Morrer? E quantas pessoas não conheceram Elliot Smith depois de se emocionar ao ouvir Miss Misery em Gênio Indomável? Ou se interessaram por Tango após a seqüência de abertura do espetacular Os 12 Macacos?
Provavelmente 7,38 pessoas fizeram isso que eu descrevi, e eu não conheço nenhuma delas (infelizmente), mas elas existem. Talvez, vai saber.
Então um belo dia uns caras que dirigiam uns filmes meio bestas resolveram se basear num livro de Nick “sempre ele” Hornby para fazer um longa chamado Um Grande Garoto, como o livro. Seria rodado em Londres, teria Hugh Grant no papel do Homem-Ilha e mais algumas semelhanças com o livro, mas bem de leve.
Como Nick é um cara esperto e sabe tirar proveito da máquina de destruir idéias chamada Hollywood, não se importou muito com as alterações que sua história original sofreria, até porque não estávamos mais em 94, e sim no início do século XXI. Mas fez questão de chamar um cara de Manchester para compor a trilha sonora. Um garoto mal desenhado. Damon “Badly Drawn Boy” Gough.
O disco de estréia de Badly, The Hour of Bewilderbeast de 2000, entra facilmente na lista das estréias mais promissoras de todos os tempos. O baú de referências do disco, e da carreira de Damon, é inesgotável e deveras estranho. Bizarramente melódico e hermeticamente acessível. Os mais simplistas rotulam seu trabalho como uma espécie de “Beck inglês”. Porém esse conceito passa longe de ser justo, ou verdadeiro. Analisando todos os discos lançados até agora por Damon com a alcunha de Badly Drawn Boy (além da estréia e do disco para a trilha de Um Grande Garoto, Have You Fed the Fish, de 2002, e One Plus One is One, de 2004), nota-se uma capacidade incomum nos artistas contemporâneos, que é a de não apenas colar referências de todas as épocas da música pop na tentativa desesperada de tocar a memória musical-afetiva das pessoas, mas sim utilizar influências tão díspares quanto Elton John, Bruce Springsteen, John Lennon, Soul, Folk e Rap (!) com a intenção quase que “não-intencional” de apresentar algo novo. Não no sentido de novidade, mas de encarar as possibilidades das coisas com um novo olhar. “You’re seeing the world through cynical eyes / I’m seeing the world through the eyes of somebody new” é o que diz Badly na letra da setentista sem ser saudosista All Posibilities.
Mas voltando a trilha sonora de Um Grande Garoto. As canções de Badly perpassam o filme como um todo, desde os momentos que pedem uma canção pop para ilustrar cenários e cenas genuinamente inglesas (Above you Below me, Silent Sigh, A Minor Incident e principalmente Something to Talk About, um clássico no nascimento), até temas instrumentais e tipicamente cinematográficos (Dead Duck, Rachel’s Flat). Aqui Damon prova que The Hour... não foi um disco de sorte, ou que suas várias influências, nítidas em músicas tão diferentes entre si, não era simplesmente uma tentativa desesperada de mostrar-se ao mundo como “gênio-compositor-cantor-multinstrumentista”. O cara realmente sabia (e continua sabendo) o que estava (e está) fazendo.
Acho que era isso. Aluguei o DVD do filme em 2002, fiquei impressionado com a trilha sonora, e por sorte em um dos extras havia uma entrevista com Damon para a MTV inglesa, no programa Gonzo. Havia imagens de shows do início de sua carreira, e entre outras coisas Damon explicava porque não havia participado do movimento Madchester, ao qual foi contemporâneo. Comprei The Hour Of Bewilderbeast alguns meses depois (obrigado Sum Records, obrigado!) e acompanho a carreira desse garoto mal desenhado desde então. Graças ao cinema.


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