Wednesday, February 27, 2008

Sabotagem - Parte III de III

Pedro ficou muito tempo no chuveiro. Na verdade não passou de algumas dezenas de minutos, mas pareceu um século. Pensou, meditou, quase dormiu. A vida parecia em câmera lenta e pela primeira vez Pedro tinha medo. Uma sensação de não saber o que acontecerá no dia de amanhã, e esse sentimento ele não conhecia. Saiu do banheiro renovado e exausto, com o pensamento fixo no travesseiro e no cheiro da nuca de Bia. Deitou e sem querer acordou Bia, que na verdade não tinha conseguido dormir. Estava precisando sentir Pedro, saber que seu homem estava bem, estava ali com ela e a filha. E o que era pra ser uma troca de carinhos antes de deitar prolongou-se por horas. Nenhuma palavra foi dita, porque nesse tipo de momento a linguagem é apenas um empecilho. Mesmo para duas pessoas que se amavam tanto, aquilo era o exagero. E Pedro entendeu as comparações entre o sexo e a morte naquela madrugada especial.
Alguns minutos mais tarde e Bia está mergulhada no sono dos justos. Ou dos exaustos por atividade física (e ainda mais daquela amplitude). Observá-la assim era um privilégio do qual Pedro nunca abrira mão – sempre esperou a esposa dormir para analisar seu sono, sua calma e seus temores noturnos. Esperou mais alguns minutos, deu um beijo na testa da sua menina e deitou para dormir. Estava muito cansado de tudo.

-x-

Cores aleatórias. Vermelho, vermelho piscando muito forte. Amarelo e azul, verde que se transforma em preto e branco. Branco, luz! Uma luz devastadora, um sol que cega tudo. Mais cores, um túnel sem fim, uma queda livre eterna. De repente tudo apaga e Pedro se enxerga pela primeira vez na vida fora do corpo! Não como um espelho, não como uma filmagem ou uma fotografia. Era ele mesmo em terceira pessoa, como num jogo de video game de tiro! Estava finalmente sonhando ou aquilo era real? Os sonhos não são reais, ou são? Estava eufórico enquanto observador, e repetia que não poderia acordar, de maneira alguma. Mas no sonho estava sereno, mais novo e com o olhar perdido.
Começou a caminhar e os “cenários” surgiam como passe de mágica: paredes, labirintos, florestas, um céu que passava em alta velocidade sob seus pés, o caos e a calmaria em questão de segundos, e o Pedro do sonho impassível como seu pai. Já o Pedro “espectador” tentava raciocinar, em vão. Até que uma sala escura, quadrada e chapada surge. Uma cadeira negra está no centro, Pedro do sonho fica a alguns metros da cadeira e pela primeira vez reage, diz palavras sem sentido, se irrita, parece perguntar algo ou chamar alguém. E então ele surge:
- Olá Chefe...
- O que?
- Sim Chefe, um dia tu voltaria, nós dois sabíamos. Embora só eu tivesse consciência disso...
- Tu não existe, nada disso existe, isso é a minha imaginação, eu estou sonhando!
- Impossível Chefe, tu nunca sonhou. Mas já imaginou uma porção de coisas, certo?
-Como eu saio disso aqui, eu quero acordar agora! Grita e espuma Pedro (os dois).
- Bom Chefe, paciência não foi uma das características que o senhor me deu, portanto vamos aos fatos. Aos 10 anos de idade o Chefe criou uma história mirabolante, envolvendo um homem sinistro que surgia em cidades do interior, assassinava todas as crianças e sumia. A história que o chefe escreveu era rica em detalhes, uma coisa horripilante até para um adulto, imagine para uma criança “normal”. Teu pai e tua mãe viram aquilo e ficaram abismados, naturalmente. Atearam fogo em todos teus cadernos, te trocaram de colégio e com a ajuda de um parente médico da família, te entupiram de remédios. Te davam enquanto tu dormia, para não haver desconfiança. As drogas eram muito potentes, te deixavam com a disposição de uma senhora e a mente de um autista. Mas mesmo assim tu conseguia imaginar coisas... O que leva a história até este que vos fala!
Pedro do sonho está se debatendo. Pedro observador começa a entender...
- Eu sou o assassino que tu criou! Na verdade eu SOU O CHEFE! Mas de alguma forma o chefe mudou após a infância. Não sei se as drogas ou outra coisa, mas o teu mecanismo assassino dormiu. Eu virei a parte escura da tua memória, assim como a parte escura da lua! Nunca existi, mas sempre estive a espreita. Fico aqui no teu inconsciente morto, que muito provavelmente eu e o chefe ajudamos a matar, esperando o dia em que tu vai sonhar, entender o que houve e tornar aquela história de 20 anos atrás real...
- Eu não sou assassino, isso é uma loucura, sou só um cara normal que não sonha...
- Tu sabe que não Chefe... Sorri o homem trajando luto. Só me diz quando a gente vai voltar aos velhos tempos Chefe, quando o Chefe vai colocar aquela idéia em prática hein?
O homem transforma-se num maníaco. Pedro do sonho chora e retoma o sentido, Pedro observador apenas chora em silêncio.
- Do mesmo jeito que tu não me deixou sonhar, eu não vou te deixar matar ninguém.
- Então sinto muito Chefe...
Sofia acorda com os urros da mãe. E sabe que nunca mais verá seu pai Pedro.
FIM

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
que triste!
mas que baita fim hein!
nem sei muito o que dizer nesse momento!
vou pensar mais um pouco e talvez decidir que pedro gosto mais,ou se prefiro ser só o espectador...
fico massa msm!
jah tem alguma outra coisa em mente???

12:42 PM  
Blogger Aline said...

que loucura...
ficou massa... o diálogo com o "inconsciente", a história dos pias drogando e tal... mas achei muito triste o fim, deixou as duas sozinhas, e uma família que parecia se amar tanto, precisar realmente um do outro...

ficou excelente, mas triste demais...

1:04 PM  
Blogger Aline said...

*pais

1:04 PM  
Blogger Mau Haas said...

Bom conto índio véio.... me fez lembrar dum filme que eu e a jana vimos esses dias... Identidade Secreta, acho que era, como Kevin Costner.... só que no filme, o mais massa era o outro "eu" dele e, na tua história, o Pedro é o mais massa...

Achei legal tbm que, tipo, a Aline disse que as duas ficaram sozinhas e eu entendi que o grito da mãe era pq ele tinha matado ela.... massa essa dubiedade....

Era ilso....
de resto.... ESTREOU O RAMBO!!! VOMO?

5:35 AM  
Blogger Mau Haas said...

Bom conto índio véio.... me fez lembrar dum filme que eu e a jana vimos esses dias... Identidade Secreta, acho que era, como Kevin Costner.... só que no filme, o mais massa era o outro "eu" dele e, na tua história, o Pedro é o mais massa...

Achei legal tbm que, tipo, a Aline disse que as duas ficaram sozinhas e eu entendi que o grito da mãe era pq ele tinha matado ela.... massa essa dubiedade....

Era ilso....
de resto.... ESTREOU O RAMBO!!! VOMO?

5:35 AM  

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