Tuesday, January 22, 2008

Sabotagem - Parte I de III

Pedro. Esse tipo de nome carrega uma espécie de peso que obriga a pessoa que o possui a ser comum. Um Pedro, um João, uma Maria, um José. Ainda se fosse um Pedro Henrique, uma Maria Aparecida, um João Guilherme. Mas não, era Pedro, sem apelido, sem abreviações – qual apelido serve para Pedro? Não há diminutivo, nem apelido carinhoso... No máximo Pedroca! – só Pedro.
E Pedro fez 30 anos, normal assim. Infância tranqüila, com os pais, irmãos, irmãs e amigos. Estudou, namorou, fez mais amigos, trabalhou muito, desde sempre, encontrou a menina que fazia o mundo girar em câmera lenta – olhava o rosto de Bianca e imaginava aquela bola azul entortando no próprio eixo, quase parada no universo - teve uma filha com ela. Três décadas em pouco mais de três linhas, simples assim. Mas uma coisa sempre intrigou Pedro, até porque as únicas pessoas que ficavam intrigadas com sua vida eram ele próprio e a pequena Sofia. A menina inclusive perguntava para sua mãe o motivo pelo qual o pai era tão quieto, e ouvia sempre a mesma resposta, da qual gostava muito: “ele está sempre imaginando coisas filhinha, assim como você”. Bianca era a única pessoa que conhecia o segredo de Pedro.
Apesar da imaginação impressionante que o acompanhava desde muito criança – capaz de criar desenhos impressionantes, únicos, de lugares e objetos inéditos para seus olhos, projetar aparelhos, inventar histórias (das quais Sofia era a maior fã e Bianca admirava) e personagens incríveis – Pedro jamais sonhou. Seu sono era algo fantasmagórico, sereno como uma árvore num dia sem vento. Nunca se importou com isso, afinal achava que algumas pessoas sonhavam, outras não.
Bianca estudava psicologia na mesma faculdade em que Pedro cursou contabilidade, e embora fossem amigos desde os tempos de colégio, o desejo mútuo nasceu apenas no ensino superior. Um dia resolveu contar a amada que nunca havia sonhado na vida, seu sono era uma cortina negra eterna, sem sons, imagens ou formas que pudesse lembrar. Impossível Pedro, o inconsciente não dorme, dizia Bianca. Ele riu e disse que talvez vivesse tanto no mundo real, que era uma pessoa tão normal e comum que seu inconsciente adormeceu, e agora ficava inerte quando sua consciência estava “desligada”. E isso não te assusta Pedro? Por enquanto não, ele dizia com ar perdido em pensamento.
Alguns meses depois Bianca convenceu o então namorado a submeter-se a um processo de avaliação do sono, por assim dizer. Pedro dormiria atrelado a uma máquina que mediria sua pulsação, seus estímulos e reflexos noturnos, além de detectar alguma atividade cerebral ou o chamado REM (rapid eye moviment), característica de quem está sonhando.
Após 3 noites de testes, Bianca estava pasma e assustada. Era como ver um cadáver com batimento cardíaco durante oito horas ininterruptas. Nem o batimento se alterava. A posição na qual deitava, seus braços e pernas, nada se movia. Era impossível uma pessoa controlar o inconsciente, ou pior, que a sua mente mergulhasse num abismo infinito quando não estava “ligada”. Pedro disse para Bianca esquecer aquilo, mas não havia como.
- Nenhum sonho, um som, uma cor, uma imagem que tu lembre, nada?
- Nada Bia, desde criança, nunca sonhei com nada.
- Mas tu não fica curioso em saber como é sonhar, ou quando eu te conto meus sonhos?
- Até fico...
- E o que será que tu vai sonhar pela primeira vez? Garanto que com essa tua imaginação maluca, vai ser algo muito louco!
- Eu sinto medo disso toda noite antes de dormir Bia... O que será que minha mente está guardando? Ou aguardando, não sei...
- Calma Pedro, não pensa mais nisso... Deita aqui comigo...

FIM DA PARTE I

Friday, January 18, 2008

Loló Interplanetário

Danny Boyle assusta muita gente. Por vários motivos. A Praia é um troço tão ruim, mas tão ruim que há relatos de pessoas que agüentaram ver o filme até o final e estão repetindo coisas caóticas para transeuntes nas ruas do planeta ainda hoje. As que passam da metade do filme ficam com seqüelas irreversíveis, e mesmo um simples vislumbre daquilo pode danificar seu mecanismo de apreciação de filmes para sempre.
Por uma Vida Menos Ordinária causa medo porque não é todo dia que uma bad trip de um ácido mofado e fora da validade desde 1973 é filmada (e ainda é transmitida pela Globo no supercine E na tela quente, várias vezes!).
Extermínio dá medo por que... Bom, é um filme de terror! E bem interessante, admita-se.
Mas o motivo pelo qual o tio Danny causa horror nas pessoas da “minha geração” (tô querendo vender, geração sem dono, novinha, nunca fez nada. Tratar pessoalmente) atende pelo nome de Trainspotting – “Sem Limites” (sic). Além de o filme ser extremamente impactante pra um piá de 11, 12 anos, ele SEMPRE dava na BAND, lá pelas onze da noite da terça ou da quinta-feira. As pessoas não notam essas coisas, ou porque tem mais com o que se preocupar na vida ou porque não tem senso de humor, mas os canais de televisão têm um jeito específico de transformar os filmes. A Bandeirantes consegue deixar qualquer filme horripilante! Até Emanuelle no Espaço causava medo nos pré-adolescentes que agüentavam até as 3 da manhã de sábado para desfrutar de um pornô “hardcore” (quem conseguia enxergar meio peito, sem mamilo, era considerado um mestre). Mas sério, os filmes na emissora dos Saad ficam todos com jeito de terror B, é muito estranho. Para confirmar, veja A Balada do Pistoleiro ou Gênio Indomável no Cine Band Premium e prestem atenção no som, na imagem e na dublagem. Depois tentem dormir.
Já o miraculoso SBT deixa o drama mais denso com jeitão de comédia dos irmãos Farrely. Assim como a Globo consegue a proeza de fazer todo filme ficar um pé no saco.

Bolão Pé na Cova Filmes de Ficção no Espaço: Quem morre primeiro?

Voltando ao diretor de filmes esquisitos. Toda essa miscelânea aí de cima foi pra dizer que Sunshine – “Alerta Solar” (subtítulos maravilhosos...) é um filme de ficção científica muito bom. Bom mesmo, sem cacoetes de junkie da direção, sem muitas invenciones, com uma história criativa e roteiro com as típicas reviravoltas que a ficção científica copia de Alien – “O Oitavo Passageiro” (por favor, parem com esses subtítulos!) desde... Desde antes do próprio Alien! Sunshine tem potencial para ser o Pitch Black dos anos 00 (não que Pitch Black não seja dos anos 00), só que com mais classe, melhores atuações...
Enfim, ficção científica artística feita por um biruta obcecado por bizarrices e que dá certo não é sempre que acontece. E quem viu no cinema, principalmente num cinema de qualidade, deve ter uma experiência surreal pra contar, já que as imagens do filme são impressionantes mesmo numa “televizãosinha do Paraguai”.
Marvel vs. DC - Quem ganha, Tocha Humana ou Espantalho?

Wednesday, January 16, 2008

Tem que ir até lá pra voltar


Nem tudo que reluz é pulserinha colorida de badalada, assim como nem tudo que vem da França é um pé no saco pseudofilosófico ou arrogantemente mal cheiroso. Franck Ribéry (o Carlitos Tevez de La Résistance), Eva Green (o contra-ataque francês a Kate Winslet) e um filme que pouca gente ouviu falar por enquanto não me deixam mentir.
La Faute à Fidel parece mais uma daquelas chatices européias de gente metida a intelectual. E talvez até seja, mas é um filme inteligente sem ser babaca, nem fica a todo minuto dizendo nas entrelinhas como quem escreveu aquilo é mais esperto do que quem está olhando - como Os Sonhadores faz a cada 3 segundos. Na real um texto gigantesco falando sobre o filme chega depois do carnaval, mas ele merece a propaganda antecipada só pela esperteza do ponto de vista da história: No começo dos anos 70, uma família de classe média alta francesa sofre uma reviravolta política (deflagrada por um tio comunista em outro continente) e passa a encarnar o esquerdismo socialista europeu e latino com todos seus clichês, ideais igualitários e regras não estabelecidas. Até aí tudo bem, um bilhão de vezes esse período da história política foi revivido pelo cinema, até fazer com que os anos 60 "políticos" ficassem tão pentelhos e sacais quanto os anos 60 "hippies" (em 2008 teremos um especial sobre o episódio de South Park no qual Cartman lança uma caça ás bruxas hippies. Sem palavras de tão espetacular que é).
Mas a diretora Julie “Filha do Costa” Gravas, baseada no livro italiano a partir do qual o filme foi concebido, consegue tratar o assunto de maneira diferente, em função da abordagem. O espectador compreende a conjuntura (um dia eu tentei escrever sobre política, perdão pelo cacoete e pela palavra) do período através da percepção de uma criança de 9 anos, uma menina que estudava em escola católica e tradicional, morava numa bela casa com jardim, tinha a companhia de uma governanta que fugiu de Cuba por não concordar com o comunismo, e estava plenamente feliz com sua família modelo. Aí de repente as barbas crescem, os amigos dos pais mudam, os empregos também, o padrão de vida, o jardim e a casa são trocados por um apartamento “subversivo” e a menina não entendo o turbilhão que varre sua vida até então perfeita pra debaixo do tapete. E quer respostas, e enfrenta os pais!
Enfim, cheiro de Nove Rainhas no ar: produção impecável, atores humanos de verdade, história criativa e plausível... Não espero algo melhor que Nove Rainhas, já que o filme argentino figura no Top 3 de Produções Não Americanas de todos os tempos, mas potencial para entrar num Top 5 Filmes Europeus La Faute à Fidel tem.



(Atenção: Trocadilho em negrito, favor ignorar) Finalmente adquiri Final Straw dos irlandeses radicados na Escócia (ou escoceses radicados na Irlanda) do Snow Patrol. O disco de 2004 é um daqueles momentos iluminados pelos quais algumas bandas passam poucas vezes na carreira. Agora que os caras tão até sendo remixados nas rádios brasileiras, todo mundo olha com nojo pros malucos. Não que eles sejam geniais, longe disso, os dois discos anteriores a Final Straw, independentes e lançados por pequeno selo escocês, eram médios, com alguns momentos inspirados, e o disco novo é totalmente mais ou menos. Aliás, isso ajuda a criar a “mística” de Final Straw. Ali, e muito provavelmente apenas naquele disco, o Snow Patrol foi REALMENTE bala!
Inclusive, tenho uma tese sobre o fascínio que as Bandas Médias exercem nos fãs de música. É aquela banda que tu sabe que não é genial, que os músicos não são talentosos, que os discos são irregulares, mas mesmo assim tu adora! Defendo a idéia que como a maioria dos fãs são músicos frustrados, tu acaba torcendo por aqueles caras que nunca serão rock stars, e na verdade poderiam ser os amigos com os quais tu “tocava” quando tinha 12, 13 anos. Difícil entender a idéia em apenas um parágrafo, é um pensamento muito complexo que envolve décadas de rock, ídolos obscuros, discos renegados à guetos culturais, enfim.
Mas o Snow Patrol é uma das bandas médias mais legais da década. A número 1 com certeza é o The Vines, com o quase-gênio / quase-retardado Craig Nichols, meu quase-ídolo da guitarra quase-bem tocada. Mas esse é um caso a parte.
Ah, um disco que tem, em seqüência, Spitting Games, Chocolate e Run é muito acima da média, ponto final.

"Um ano autista pra todo mundo!" - Craig

*Thanks Gizmo Girl, you’re the happiness in human form.