Tuesday, October 30, 2007

Truques

Stand-up Comedy é moda no Brasil agora né? Então tá:

Sabe o que me irrita nos filmes? Quando alguém precisa mostrar que um personagem é inteligente! Não precisa nem ser um personagem secundário, pode ser o principal mesmo. Ele está viajando por um país desconhecido (isso é importante, um lugar onde a língua não seja a sua!) e chega num local hostil - pode ser desde uma festa onde seu maior inimigo está dançando com uma vagaba qualquer ou num evento de pessoas inteligentíssimas que subestimam seus conhecimentos e fazem piadinhas em tom de voz volume sala de espera de hospital, mas ele nota. Aí as pessoas disparam comentários terríveis sobre o nosso galã, falando pra algum capanga ou cúmplice como ele é nojento e asqueroso, ou como suas roupas são “chinfrins”, tudo em russo dito entre dentes... E então nosso excepcional herói responde que aqueles comentários não são necessários e que estudou na escola de São Petesburgo por dez anos, seus imbecis!
OOOOOHHHH é o som que a platéia emite! NOSSA, ele é muito foda, ninguém sabia que ele sabia o que eles não sabiam que ele já sabia desde o começo, mesmo sendo em um idioma totalmente diferente do dele! Impressionante, demais, agora o filme começou a ficar bom!
E a partir daí já dá pra saber todas as cenas, uma por uma...

Se esse recurso fosse aplicado em um filme nacional, seria mais ou menos assim:

Cena I

O galã – que é traficante, mas com um bom coração gente, cuida da comunidade! – chega numa sala enfumaçada onde brutamontes jogam pôquer. Ele está em Caracas (sabemos que é Caracas porque aparece escrito em letras Fonte 28 na tela, em vermelho sangue, e o locutor grita o nome da cidade) para negociar um carregamento de cocaína que está emperrado há semanas e pode desencadear uma guerra civil no Brasil. Ele já foi protagonista de duas novelas (na Manchete e na Gazeta) e fez figuração na Globo. Os venezuelanos tem cara de baianos e na sala tem um pôster do Hugo Chavéz, pra dar a “ambientação necessária”, segundo o diretor.

Galã da Silva (entra em silêncio com ar desafiador)
-...

Chefe de La Bueca de Fumito
- Má o que se passa a cá, rã? Quem é este maricón, madre de diós?

Vice-Chefe de La Bueca de Fumito
- Este és el brasileño folgadito que veio negociar lá mercadoria! Putón!

Chefe de La Bueca de Fumito (caminhando ao redor de nosso destemido Galã da Silva, com ar de deboche e cuspindo fumaça em seu rosto. O charuto tem que ser gigante e na outra mão deve haver uma bebida parecida com mijo quente, que ele oferece e nosso Galã faz que nem é com ele e continua irredutível e mudo)
- Hum... Entonces este és el hijo de una putana que quer nos passar la pierna? (Agora o Chefe deve rir, e dando tapinhas nas costas do Galã, deve falar como se estivesse o elogiando) E usted piensa que vai nos tapear com seu dinheirito fajuto e sua cara de porco yankee rã? Seu mierda de pollo! (titica de galinha na versão dublada) RÁRÁRÁRÁ! (todos os jogadores – agora já parecem mexicanos quando a câmera se aproxima e soltam gargalhadas histéricas)

Jogador 3
- E este cabrón é tão burrito que não entende nadita do que estamos hablando!

Galã da Silva
- Pois ustedes estón muito enganaditos! Yo compreendo todo que ustedes hablan, seus chanchos de uma figa! E se non me entregaram la coquita, vou explodir suyos miolitos com esta escopetita que tengo a cá!

Todos
- OH! (de joelhos com as mãos na nuca) Perdón señor brasileño, non sabíamos que o señor compreendia nuestra língua! Como és possíble?

Galã da Silva
-Caladitos! Mais um piozito e vão virar paçoquita! Ahora, levem-me hasta la coca antes que yo fique (pausa dramática, close fechadíssimo) MALUQUITO, SEUS HIJOS DE UNA PUTANA!

Fim da Cena I
(Nota do roteirista: O espanhol está muito complexo para platéia brasileira, deve ser facilitado
)

Friday, October 26, 2007

Top 5 - Goleiros

Guarda Metas. Keeper. O anti-herói, aquele que evita o objetivo primal do maior esporte de todos. Aquele que tem na carteira de trabalho não "jogador de futebol", mas GOLEIRO escrito - assim como o centroavante. O cara que o Erasmo diz que tá em falta no nosso país (vide Quem Vai Ficar no Gol, do Tremendão).
Em breve um estudo aprofundado sobre este estado de espírito, sobre SER GOLEIRO, surgirá nestas linhas errantes.
Por enquanto, 5 dos maiores goleiros que eu vi jogar (incluindo o maior de todos) e seus momentos mais inacreditáveis:


5 - Tony Meola (Copa de 94, Suiça 1 x EUA 1)

Meola foi um dos nomes mais surpreendentes daquele time que atraía a simpatia de todos (menos dos Sauditas, Iranianos e afins) durante a Copa de 94. Uma dupla de zagueiros saída de um desenho animado dos anos 70 - Balboa e Lalas -, um meio campo brigador e um atacante no estilo "pega a bola e sai correndo" - Coby Jones - fizeram a alegria dos que torcem para times azarões e meio desajeitados.
Tony jogou muito contra o Brasil nas oitavas ("bate Bebeeeeeeeeto"), contra a Colombia, no fatídico jogo da bicicleta de Balboa que não entrou e do gol contra do zagueiro Escóbar e que "foi morrido" logo que chegou em Bogotá. Porém contra a Suiça Meola parou a máquina de jogar futebol chamada Stéphane CHAPUISAT, garantindo um empate e a classificação histórica.



4 - Fábio Costa ( Brasileirão de 2002, Santos 3 x 2 Corinthians)

Falar desse jogo é lembrar do Rogério recuando diante de um endiabrado Robinho, partindo rumo ao status de grande jogador de futebol e decidindo um campeonato brasileiro aos 18 anos de idade. Mas quem realmente segurou aquele jogo estava embaixo da goleira. Fábio Costa, conhecido por agigantar-se em decisões e apequenar-se em jogos comuns (numa semifinal entre Vitória e Vasco, em São Januário, ou ele estava dopado ou tinha feito trabalho para todos os santos), simplesmente fez defesas impossíveis naquela tarde de dezembro, na última decisão do futebol brasileiro - um ano depois a "maravilhosa" fórmula de pontos corridos entrou em vigor, e talvez nunca mais tenhamos desempenhos memoráveis em finais como do baiano no primeiro título brasileiro do Santos desde 1971.



3 - Gato Fernandéz ( Copa do Brasil de 1992, Fluminense 2 x 1 Internacional)

O paraguaio Gato Fernandéz chegou no Inter com a imagem de goileiro experiente, catimbeiro, alto e ágil (daí o apelido). Apesar do estilo da escola sulamericana de goleiros (muitos rebotes, saídas espalhafatosas do gol e jogar quase na linha da pequena área), Fernandéz rapidamente tornou-se ídolo da torcida Colorada ao conquistar o Campeonato Gaúcho de 91.
Em 92, a consagração: O Inter de Célio Silva, Daniel Frasson, Gérson, Daniel e Caíco sagrou-se campeão da Copa do Brasil ganhando do Fluminense de Ézio e Bobô na final por 1x0 no Gigante da Beira-Rio, gol de pênalti de Célio Silva aos 42 do segundo tempo! Porém o título começou a se concretizar no jogo de ida, nas Laranjeiras, quando o Fluminense poderia ter aplicado uma goleada na equipe gaudéria. Mas Gato operou milagres, e com o gol de Caíco uma vitória simples bastava. Depois de 13 anos, mais um título nacional para o Clube do Povo!



2 - "São" Marcos (Semifinais Copa Libertadores de 2000, Palmeiras 3 x 2 Corinthains)

Dois jogos memoráveis. Palmeiras e Corinthians protagonizaram no inverno do ano 2000 duas batalhas épicas no Estádio do Morumbi. Os placares falam mais que palavras: no jogo de ida, 4x3 para o alvinegro e no segundo jogo, 3x2 para o alviverde. Decisão nos pênaltis, o ápice do drama que o futebol pode apresentar: gols, brigas, divididas, raça, jogadas sensacionais, tensão, igualdade... e ainda cobranças de pênaltis, a "loteria"!
E Marcos mostrou a diferença entre um bom goleiro, um grande goleiro e um "fazedor de milagres". Além das atuações espíritas nos dois jogos, Marcos defendeu o pênalti batido por Marcelinho Carioca e classificou o Palmeiras para a segunda final seguida do torneio, num time que tinha Argel, Roque Júnior, Nenem, Galeano, Pena, Asprilla...
Disparado o melhor goleiro brasileiro das duas últimas décadas, apenas atrás de...



1 - Cláudio Taffarel (final da copa de 94 Brasil 0 x 0 Itália, semifinal da copa de 98 Brasil 1 x 1 Holanda, semifinal da olimpíada de 88, Brasil 1 x 1 Alemanha, final da copa da uefa, Galatasaray 0 x 0 Arsenal)

Falar de ídolos dessa grandeza é sempre complicado. Não há muito o que acrescentar. No Inter, no Parma, no Galatasaray, no Atlético Mineiro e principalmente na Seleção, Cláudio André Mergen Taffarel, de Santa Rosa e criado em Crissiumal, fez defesas impossíveis, conquistou títulos e vitórias que pareciam perdidas, virou um ídolo eterno.
E a defesa da cabeçada do Henry, do Arsenal, na final da Copa da Uefa de 2000 é uma das coisas mais fantásticas que eu já vi na vida. Sem palavras, vejam com seus próprios olhos (e notem quantas vezes o narrador fala "Taffaral, Taffarel...").

(Ps: Todos jogos citados acima terminaram empatados e Taffarel pegou pênaltis, garantindo as vitórias.)

Tuesday, October 16, 2007

Sobre não crescer


Erasmo Carlos - Sou Uma Criança Não Entendo Nada

Antigamente quando eu me excedia
Ou fazia alguma coisa errada
Naturalmente minha mãe dizia:
"Ele é uma criança, não entende nada".
Por dentro eu ria satisfeito e mudo
— Eu era um homem e entendia tudo

Hoje só com meus problemas
Rezo muito, mas eu não me iludo
Sempre me dizem quando fico sério:
"Ele é um homem e entende tudo"
Por dentro com a alma tarantada
— Sou uma criança, não entendo nada.

A melhor música feita em língua portuguesa. De longe da segunda. Simplicidade e perfeição nível Neil Young – aliás, muitos brincam que o Tremendão é o nosso genérico do Canadense. A maioria fala tirando um sarro... Não devem conhecer a obra do “parceiro do Rei”, que é tão ou mais rica que a do seu amigo de fé, seu irmão camarada.
Na verdade os dois são muito bons, mas por aqui são motivo de piada pelos “formadores de opinião” que não conseguem olhar para trás nem um milímetro, a não ser quando é pra se pendurar nas bolas do Caetano.

Aliás, essa música lembra um filme que podia ter sido, mas não foi. O Sol de Cada Manhã (The Weather Man no orginal. Não pergunte de onde tiraram esse título nacional) tem um gancho promissor, uma história que se não prima pela originalidade, apresenta milhares de opções boas para análise ou aprofundamento, etc. Mas a direção é vazia, a trilha sonora coloca tudo a perder quando parece que o filme vai melhorar, as atuações são pífias, o clima é superficial.
Pensando depois, parece que o diretor quis demonstrar a vida do personagem principal através da superficialidade com que o filme aborda os vários temas que apresenta. Mas ele não me convence com esse papinho, se é que foi isso que ele tentou fazer.
No fundo entregar uma história desse calibre nas mãos do Gore Verbinski e do Nicolas Cage foi o grande erro da produção. O mesmo roteiro nas mãos do Cameron Crowe (problemas com o pai, filhos disfuncionais, jornalismo, adaptar-se à cidade grande... Prato cheio pro mestre) e com um ator meio perdedor, mas que se dedicasse a tornar o “cara do tempo” o papel de sua vida (pensei no Charlie Sheen, ou no Aaron Eckhart. Talvez o Billy Crudrup, ou ainda o Robert Downey Jr.! O Adam Sandler bem dirigido já provou que tem talento – Punch Drunk Love – enfim, várias opções).
Mas não funcionou, acontece. Na real isso - o tema da música e do filme: crescimento – é muito difícil de ser retratado, porque cada pessoa passa pelo processo de maneiras diferentes. Alguns demoram mais pra virar “adulto”, outros menos, outros nascem assim e outros nunca crescem. É como na arte. A música faz em poucas linhas e alguns minutos o que o filme não consegue em horas.

Talvez uma outra hora...

Wednesday, October 03, 2007

Prêmio

Sol quase o ano todo, uma praia de areia branca e mar azul, e nada, absolutamente nada, com o que se preocupar. Quem não gostaria de ter uma vida assim? Bem, eu gostaria muito. Mas Duda já estava em dúvida se aquela realmente era uma vida boa. Duda era uma garota bem esperta para a sua idade, e aos doze anos já tinha sua opinião bem formada sobre a ilha que habitava a noroeste da Oceania: era um saco! Sua rotina era formada por idas à escola e tardes a serem preenchidas com qualquer idéia que fosse. Mas depois de doze anos fazendo o que podia ela já não achava que houvesse alguma graça na ilha.
Sua família e os outros habitantes gostavam muito do lugar: a natureza os fazia sentirem mais puros, a vida mansa da praia os deixava leves e ninguém reclamava de nada. O pai de Duda, um senhor ligeiramente em forma, mas com uma saliente barriga – causada talvez pelo consumo excessivo de... água de coco – gostava de passar os fins de tarde na rede, observando o pôr-do-sol. Ah, esqueci de dizer: desfaça a imagem d’A Lagoa Azul. Não, a ilha de Duda possuía uma bela infra-estrutura. Escolas, hospital, polícia, tudo que era necessário para um cidadão se sentir satisfeito com seu habitat, mas preservava a natureza primordialmente. O pai dela era gerente da única agência bancária da pequena ilha, que ficava na região norte, onde estava a “urbanização” se é que se pode chamar assim, de resto, era tudo como sempre foi, e como eu já disse, ele gostava de ver os fins de tarde de sua rede.
Duda era curiosíssima, o que a ajudava a matar o tempo. Gostava de passear nas regiões mais desertas, com grandes áreas da mata, o que além de ajudar a aplacar o calor era tanto divertido quanto educativo. Num desses passeios pelas matas Duda descobriu uma cerca. Na verdade tropeçou nela, a cerca não era muito alta. Um joelho ralado e um pouco de terra na roupa não detiveram a pequena Duda, e sua mente rápida logo quis saber o que significava aquela cerca. O que de tão importante estava cercado no meio do mato??
A região de mata selvagem da ilha era livre, todos sabiam. Isso deixou Duda mais intrigada. Ela resolveu seguir a cerca, pois dali não conseguiu avistar nada diferente. Uns metros a frente, mais uns metros e mais uns, Duda viu o que parecia ser um telhado. Pulou a cerca! Uma casa no meio da mata e ninguém sabe?? Andou mais um pouco e rolou morro abaixo – uns quatro ou cinco metros de terra e grama, achou até divertido – e parou sentada em frente a um grande “quintal”, na verdade uma região da mata podada e tratada, constatou a pequena.
Começou a passear por ali e sentiu um cheiro delicioso, de frutas... amoras, uma torta. Torta de amoras?? Isto estava cada vez mais confuso... Aproximou-se da casa naquela clareira. O cheiro ficou mais forte. De repente Duda congelou. O susto que tomou conta de seu corpo paralisou-lhe as pernas e a fala.


- Fim da Parte I -

Uma mão em seu ombro segurou-a e perguntou: “Quem é você pequenina? Está procurando alguma coisa?” Meia hora depois, refeita do susto, Duda estava sentada à mesa com um casal muito simpático, saboreando a torta de amoras.
Hanz Müller, alemão de Munique, entre sessenta e setenta anos – sabe o Sílvio Santos? Não parece com ele. Lembra o Sivuca ou o Papai Noel, que dá no mesmo – e Roswitha Müller, uma alemã grandona, de pequeninos olhos azuis e grandes bochechas rosadas. Moravam na ilha há poucos anos, menos que os da idade de Duda. Saíram da Alemanha em busca de tranqüilidade. Herr Muller era maquinista da companhia de trens Deutschland, um trabalho gratificante, que ele até gostava, mas trinta anos de empresa estressam a qualquer um.
Frau Muller, ou apenas Oma Witha, como gostava de ser chamada porque se lembrava de seus dois netinhos, era uma cozinheira de mão cheia, e ajudava no orçamento fazendo strudels, tortas e outras delícias alemãs para vender. Tinham uma vida confortável, mas de muito trabalho. Herr Muller já andava cansado, e não era muito favorável aos avanços tecnológicos que os trens vinham sofrendo, embora trabalhasse muito bem com eles. Era um nostálgico, saudosista. Oma também já não tinha a mesma habilidade, mas suas guloseimas continuavam maravilhosas.
Um dia, sete números mudaram suas vidas. Herr Müller conservava o hábito de apostar na loteria desde muito jovem. Ganhou alguns poucos prêmios, mas nunca uma grande soma. Numa semana de muito frio em Munique, Herr Muller sentiu-se confiante e fez seu joguinho de sempre. Bem, era seu dia de sorte. Acertou sete números em setenta, sozinho. Ganhou o equivalente a uns bons milhões de reais, o suficiente para realizar um sonho: comprar uma bela casinha numa região quente e com praia, de preferência um paraíso. Conheceu a ilha de Duda num desses programas de viagens dos canais pagos (antes do prêmio), e decidiu, com Frau Muller, que se um dia tivesse meios, viveria ali.
Duda espantou-se. Como alguém poderia querer viver naquele tédio? Tudo bem, a ilha realmente era linda, mas era muito chata. O casal Müller riu da indignação da menina, não como piada, mas com interesse na opinião dela, afinal, que mundo conhecia a pequena Duda, que do alto dos seus doze anos nunca havia saído da ilha? O fato é que ficaram amigos, e Duda passava as tardes na casa deles, ouvindo fascinada as histórias de um mundo que não conhecia, e se deliciando com as guloseimas da Oma.

- Fim da Parte II -

Alguns anos passaram, a pequena cresceu, e seus anos de deliciosas conversas com os Müller surtiram um efeito inesperado: Duda, que adorava os doces da Oma, resolveu aprender a cozinhar. A própria Oma ensinou-lhe algumas receitas e truques. Duda estudou muito, tornou-se uma cozinheira internacional. Saiu da ilha em busca do mundo que não conhecia, a não ser pela histórias de Herr Muller, viajou por vários países, mas escolheu para trabalhar e viver a Alemanha, um país que aprendeu a amar ouvindo as histórias de Herr e Frau Müller. Lá conheceu Klaus, um piloto comercial bem sucedido, que se encantou por aquela moça inteligente e cheia de vitalidade.
A agitação das metrópoles transformaram Duda numa cidadã do mundo. O que fazia com que ela estivesse sempre um pouco estressada, correndo e sem tempo pra nada. Casaram-se, ela e Klaus, e algum tempo depois tiveram dois filhos. Muitos anos depois disso, já cansada, e com uma vida bem tranqüila, afinal era uma "doceira" famosa, Duda voltou a sua pequena ilha. Ela continuava lá, no mesmo lugar. O que não continuava eram seus queridos amigos, Hanz e Witha. Percorreu o mesmo caminho que fizera anos atrás, no meio da mata, pulo a cerca e se emocionou ao visitar aquela casa que lhe trazia as mais doces lembranças de sua infância. Respirou o ar fresco, e sentiu falta do cheiro doce que sempre envolveu aquela casa. Sem titubear, comprou a pequena casa, e a primeira coisa que fez ao se instalar foi uma torta de amoras.
Desenvolvido, escrito e gentilmente cedido por Aline Camargo.

Monday, October 01, 2007

(Des)Convenções*

- Tu já pensou em deixar de ser melancólico em relação a tudo que existe na tua vida e tentar ser feliz um pouco que seja?
Já tinha parado pra pensar no porque não era feliz, mas nunca nos termos que eram expostos naquele momento. Na verdade sentia um desespero pelo fato de estar vivo, de não saber o que fazer direito com as escolhas que a cada dia explodiam em sua cabeça. Mas sabia que com ela sentia-se pleno, mesmo que não soubesse muito bem de onde aquela calma vinha. Mas só disse:
- Nunca pensei nisso.
- RÁ! Então te fode!
Ela nunca havia sentido o que as pessoas convencionavam chamar de felicidade. Achava aquele sentimento tão artificial quanto os feriados que vinham com a necessidade implícita de “presentear quem se ama”. E não sentia raiva ou despeito, só uma resignação muda, que com o passar dos anos transformou-se numa espécie de motivação para focar em todos os outros aspectos da sua vida, menos em encontrar alguém. Mas agora ela era feliz, completamente, com ele. E o medo consumia seus momentos de silêncio, de solidão.
- Sabe o que é mais estranho? Quando eu tava com o Guilherme, a gente sempre...
Não conseguia ouvir mais nada. Por mais blasé que ele fosse normalmente, quando ela falava de algum ex, de algum caso, de algum amigo que fosse, um ódio genuíno tomava conta de seus pensamentos, uma vontade de dar um soco na boca de alguém até quebrar a própria mão e/ou os dentes do indivíduo (que em seus pensamentos variavam entre a figura do cara que ela estava falando e às vezes dela própria, pensamento este que o deixava assustado e fazia recobrar a audição).
-... Mas por melhor que fosse não era como é contigo, nem perto de fazer qualquer tipo de comparação, e aí tu fica desse jeito aí!
- Que jeito guria?
- Com essa cara de quem nunca tá contente com nada, de quem tá procurando alguma coisa não sabe onde, nem o que, e aí vem me dizer que “já me achou” e aquele papinho todo...
- Tu acha que tudo que eu te digo é “papinho” então, é isso?
- Se tu continuar assim eu vou achar mesmo!
- Então deixa eu te mostrar uma coisinha que eu fiz...
Ela fica em silêncio, com a indignação mais doída no semblante, o que começa a fazer o coração dele pedir passagem para os órgãos que ficam no caminho até a garganta, para poder respirar um pouco de ar e não sufocar. Mexe na mochila apressado, como se catasse um pedaço de verdade para provar o que sentia mais não conseguia dizer ou demonstrar.
- Abre a caixa garota...
- O que é? – ela diz com o ar de quem duvida, mas não consegue esconder a expectativa.
- Tu vai entender quando abrir.
Ela abre. Começa a rir, chorar, soluçar, socar, beijar, se contorcer, e finalmente se acalma, sentindo cada movimentação do tempo, e como os encaixes do mundo existiam de verdade. E ele finalmente entendeu que havia alguém com quem podia se fazer entender.